domingo, 26 de fevereiro de 2012

MATÉRIA DO JORNAL EXTRA "ATIVIDADES CULTURAIS" PRESÍDIO GALPÃO DA QUINTA

Presídio Evaristo de Moraes transforma cotidiano dos internos por meio de atividades culturais.


RIO - Numa tarde, você conhece um rapaz que dedica todo o tempo a "salvar a vida" dos livros de uma biblioteca, prejudicada pelas chuvas que inundavam o antigo espaço de leitura. Descobre ainda um grupo de estudantes de teatro fascinados pela peça "A cartomante", de Machado de Assis, e bolsistas empolgados com suas pesquisas em sociologia e antropologia.
Quem diria que todos os personagens acima são internos do presídio Evaristo de Moraes? Localizada em São Cristóvão, a casa de detenção passa por uma revolução cultural, que vem modificando as relações dentro das celas e entre presos, guardas e funcionários. Contra todos os preconceitos, eles mostram que há vida além do cárcere e esperança de futuro após uma sentença judicial.
- Essa cadeia mudou da água para o vinho. Ocupar o tempo é muito importante. Estou preso há 11 anos. Quando cheguei, não tinha a quinta série. Eu não era mau aluno, mas não tinha esse compromisso com o estudo. Hoje, sou bolsista e estou prestando vestibular. O passado ficou definitivamente para trás. Não falo disso. Sou uma outra pessoa - disse Sidney Lopes, de 33 anos.
Durante um ano, o interno bateu à porta do professor de sociologia e antropologia Mário Miranda Silva Neto, responsável pelo projeto dos alunos-bolsistas. Existem hoje oito bolsistas do Projeto Jovens Talentos para a Ciência (financiado pela Faperj e Cecierj) que são presidiários (em regime fechado, semi-aberto ou em condicional). Eles recebem bolsa de R$ 113 para pesquisar a realidade prisional - jamais alcançada por detentos em outras penitenciárias no país.
- Dentro de algum tempo, teremos resultado que mudarão a perspectiva com que sociólogos e antropólogos enxergam a realidade prisional. O diferencial é que esse trabalho é feito com o olhar deles - disse Mário.
Respeito nos detalhes

No laboratório de informática, Mário transforma o espaço numa sala de aula de verdade.
Já até discuti com minha mulher. Quero que ela faça faculdade. Tem dia que eu leio tanto que meus olhos doem
- Luto para que batam na porta antes de entrar. Parece bobagem, mas não é. É uma conquista. Presídio tem neurose de vigilância muito grande. Os próprios detentos entram só para olhar o que acontece. É um vigiando o outro todo o tempo. Aqui, quero construir um espaço para escola - contou Mário, que estuda com os alunos temas como direitos humanos, os marcadores do tempo - sem relógios, os detentos se orientam pela hora do "confere" ou do banho - e das gambiarras improvisadas nas celas, como pastas de dentes usadas como colheres.
Com auto-estima em alta, a turma de estudantes causa problemas para apenas uma pessoa: a funcionária da biblioteca, que insiste para que devolvam dentro do prazo os livros, que ficam tempos e tempos nas celas. Muitos descobrem a paixão pela leitura, como Clélio Ramos, de 29 anos, considerado por todos um leitor inveterado.
- Já até discuti com minha mulher. Quero que ela faça faculdade. Tem dia que eu leio tanto que meus olhos doem - contou.
Tudo isso só se tornou possível graças à parceria entre o colégio estadual Anacleto de Medeiros - que funciona dentro da unidade - e a direção do presídio.
- A gente percebe mudança no comportamento dos presos envolvidos com projetos. Eles ganham perspectivas de vida - explicou o diretor Samuel Araújo.

No laboratório de informática, Mário transforma o espaço numa sala de aula de verdade.
Já até discuti com minha mulher. Quero que ela faça faculdade. Tem dia que eu leio tanto que meus olhos doem
- Luto para que batam na porta antes de entrar. Parece bobagem, mas não é. É uma conquista. Presídio tem neurose de vigilância muito grande. Os próprios detentos entram só para olhar o que acontece. É um vigiando o outro todo o tempo. Aqui, quero construir um espaço para escola - contou Mário, que estuda com os alunos temas como direitos humanos, os marcadores do tempo - sem relógios, os detentos se orientam pela hora do "confere" ou do banho - e das gambiarras improvisadas nas celas, como pastas de dentes usadas como colheres.
Com auto-estima em alta, a turma de estudantes causa problemas para apenas uma pessoa: a funcionária da biblioteca, que insiste para que devolvam dentro do prazo os livros, que ficam tempos e tempos nas celas. Muitos descobrem a paixão pela leitura, como Clélio Ramos, de 29 anos, considerado por todos um leitor inveterado.
- Já até discuti com minha mulher. Quero que ela faça faculdade. Tem dia que eu leio tanto que meus olhos doem - contou.
Tudo isso só se tornou possível graças à parceria entre o colégio estadual Anacleto de Medeiros - que funciona dentro da unidade - e a direção do presídio.
- A gente percebe mudança no comportamento dos presos envolvidos com projetos. Eles ganham perspectivas de vida - explicou o diretor Samuel Araújo.






                                              DISCIPLINA E ORGANIZAÇÃO NA ESCOLA
"Antigamente, os alunos tiravam parafusos das cadeiras, rabiscavam. Eu soltava os cachorros". A declaração espelha o estilo da diretora Sônia Maria Souza da Costa, há 20 anos à frente do colégio Anacleto de Medeiros.
Misturando um ar maternal com a rigidez necessária ao cargo, Sônia conseguiu - ao lado dos professores - mudar a realidade. Além de limpa e organizada, a escola hoje conta com várias atividades, como cineclube, festivais de música e até café literário sobre a obra de Machado de Assis.
- Eles têm carinho pela escola. Aqui dentro, a gente não quer saber do passado. São todos alunos. Quando eu falo alto, eles obedecem - garantiu Sônia, sorrindo.
Até o fim do ano, detentos - supervisionados pela pesquisadora Flora Daemon - lançam o jornal "Em prol da liberdade".
- Eu aprendi muito e me sinto mais respeitada do que em outros lugares em que trabalhei. Você vê aqui pessoas que podiam ser seu vizinho. Crime não é legal, mas a gente percebe que é muito mais uma questão social e psicológica. Não são as caras de mau carimbadas que se imagina - disse Flora.

Atividades promovem a paz nas celas
Quem trabalha com a segurança das unidades percebe claramente a mudança de comportamento dos detentos envolvidos nos projetos culturais.
- Os projetos amenizam muito nosso esforço. Torna a população carcerária muito menos agressiva dentro das galerias. Eles ganham outra perspectiva - contou o auxiliar de serviço de segurança Alexander Custódio Eleotério.
Quebra de tabus
O agente não conseguiu conter o riso ao assistir ao ensaio da peça "A cartomante". Em grande parte pela performance de Paulo Sérgio Nunes de Souza, de 27 anos, no papel de Rita, mulher casada envolvida num triângulo amoroso.
- Existe um preconceito em se passar por mulher no teatro. Mas foi só fazer o ensaio que eu passei a achar normal - contou o detento, que aliviou a saudade com a arte. - Fui preso roubando comida. Minha mulher estava grávida e morreu de parto depois que fui preso. Sou de Três Rios. Estou sem visitas. Eu não sei o que vou fazer da vida quando sair daqui. Tenho muita fé de que Deus vai botar uma pessoa na minha vida que vai me dar outra chance.


******MATÉRIA PUBLICADA NO JORNAL EXTRA 14/12/10


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